O autismo de Sam em Atypical
A série Atypical, criação recente do Netflix, retrata a vida do adolescente Sam Gardner, que tem o transtorno de espectro autista. Já ouviu falar de Atypical? É uma série da Netflix, que retrata a vida de uma pessoa com autismo de alto funcionamento que decide buscar sua primeira namorada. Obviamente, o que vem a seguir é uma avalanche de novas descobertas, para ele e para todos os membros da família. Quem comenta o tema a seguir é a psicóloga Maitê Hammoud.
O espectro autista engloba perturbações no desenvolvimento neurológico que comprometem principalmente a comunicação, expressão de emoções e interação social. A série aborda o autismo com sensibilidade, e é narrada em muitos momentos pelo próprio Sam (personagem principal), evidenciado de seu ponto de vista, o que aproxima o expectador da visão do mundo de um autista, algo fundamental para começar a compreender as dificuldades e necessidades especiais que esse transtorno requer.
Atypical também oferece vários momentos de reflexão e empatia ao tratar certas questões do ponto de vista dos familiares e amigos, passando pelas dificuldades e conflitos despertados neles após o diagnóstico de espectro autista de Sam.
Confira algumas delas a seguir (alerta de spoiller):
1) Atípico
Um dos conceitos explorados ao longo da série é de neurodiversidade. Ele respeita de maneira humanizada o desenvolvimento neurológico atípico que ocorre em pessoas autistas, disléxicas, dispráxicas e hiperativas, colocando-o como uma diferença humana como qualquer outra, que deve ser respeitada e tolerada.
O positivo de difundir esse conceito é contribuir para que as pessoas com desenvolvimento neuroatípico não sejam vistas como portadores de alguma doença, mas sim, como alguém que possui um desenvolvimento neurológico diferente da maioria da população, apresentando características diferentes para algumas questões.
2) Estímulos sensoriais
Estudos demonstram que pessoas com espectro autista possuem um processamento sensorial diferente, possivelmente por razões genéticas. Esse processamento sensorial faz com que a pessoa seja hipersensível aos estímulos do ambiente: visuais, auditivos, táteis, olfativos e gustativas.
O cérebro de pessoas que possuem essa sensibilidade capta estímulos rapidamente, de maneira intensa e detalhada. Esses estímulos são sentidos como perturbadores. Por essa razão, alguns cuidados podem favorecer significativamente na inclusão social e bem-estar das pessoas autistas.
Na série, três questões tratam essa questão:
- o cuidado da mãe ao comprar sempre camisetas 100% algodão por entender o conforto que trazem para seu filho;
- o motorista do ônibus que dirige cautelosamente quando Sam está a bordo, pelo fato de sentir-se mais confortável sem encostar as costas no assento durante o trajeto;
- o Baile do Silêncio proposto à escola por sua namorada, para que Sam consiga participar; todos os convidados usufruíram de fones de ouvido para ouvir as músicas na pista de dança, conformando um ambiente silencioso para a inclusão de Sam.
3) Antártida
Uma das fascinações de Sam é a Antártida, e a rotina de suas aves favoritas, os pinguins. Enquanto vão avançando na construção do personagem, fica evidente que o continente é a alusão de seu mundo ideal, por ser altamente silencioso.
Quem sofre de autismo é altamente literal, por isso Sam, em diversos momentos de interação com pessoas da sua rotina, levanta questões próprias e dúvidas sobre o comportamento humano fazendo referências ao funcionamento animal.
4) Previsibilidade, orientações claras e objetivas
Devido à sensibilidade sensorial, pessoas com espectro autista demandam rotina e orientações claras e objetivas. Por se tratar de pessoas lógicas, tendem a ter mais facilidade no convívio social quando se sentem seguros ao conhecer os estímulos presentes em suas experiências.
Em Atypical, a questão da previsibilidade e objetividade é abordada principalmente em três momentos:
- ao ser convidado para um jantar com a família de sua namorada, por se tratar de um restaurante que nunca frequentou, previamente Sam vai ao restaurante na companhia de seus pais, avaliando se a sonoridade do ambiente é agradável e explorando o cardápio para que, no dia do jantar em questão, já tenha escolhido algo que lhe agrade, minimizando riscos que motivem uma crise;
- ao assistir da arquibancada uma prova de corrida de sua irmã, vivencia extremo desconforto com os cabelos se movimentando da mulher que está a sua frente. Por não estar dentro do repertório de estímulos que estava esperando, seu incômodo leva a uma resposta tida como assustadora e violenta pelos demais: segura com força os cabelos da moça que está a sua frente, tendo que ser afastado do local;
- Sam coloca uma questão muito importante sobre o autismo ao longo de uma de suas narrações, explicando que a maioria das pessoas acredita que autistas não possuem empatia, dizendo não ser verdade. Explica que autistas possuem capacidade empática, mas são mal interpretados por possuírem dificuldade em identificar e nomear emoções. Por serem abstratas, tornam-se complexas na compreensão do autista. Nesse sentido, a prancha de desenhos de emoções ou nomear emoções de maneira objetiva como “estou triste” ou “estou bravo” auxilia sua compreensão.
5) Comportamentos autoestimulantes (estimming)
Uma das características frequentes em pessoas com espectro autista são os comportamentos repetitivos autoestimulantes, podendo ser bater os braços, tamborilar os dedos, bater as mãos, balançar de frente para trás, entre muitos outros. Existe um consenso dos profissionais de saúde de que o autista recorre a esses comportamentos em situações de estresse, ansiedade e quando estão experimentando emoções intensas, contando com esse recurso para se acalmarem.
Por isso, ordenar que uma pessoa autista interrompa o comportamento pode ser altamente estressante, levando a respostas violentas diante da desorganização mental e emocional desencadeada pela interrupção. No caso de Sam, ele explica a razão do comportamento de mover seus dedos enquanto os envolve em elásticos de borracha.
6) Cor azul
Com certeza, os expectadores da série perceberam a presença da cor azul em vários momentos e cenários, especialmente no quarto de Sam. A razão de a cor azul ser atribuída ao autismo é pelo fato de em sua primeira campanha de conscientização ter sido associada ao azul. O Dia Mundial da Conscientização do Autismo teve origem em 02 de Abril de 2008, e a data decretada pela ONU motivou o movimento mundial nomeado como “light it up blue” (iluminar de azul).
Monumentos e pontos turísticos pelo mundo são iluminados na cor azul, com objetivo de promover a conscientização sobre o autismo. A cor azul foi escolhida pelo fato do espectro ser mais frequente em meninos do que em meninas, na proporção de 4 por 1.
7) Família e amigos
A trama mostra as dificuldades vividas pelos familiares e amigos após o diagnóstico de autismo. A mãe de Sam vive conflitos afetivos por sentir-se descontente consigo mesma ao ter abandonado a carreira profissional para se dedicar exclusivamente ao filho. O pai revela que nunca falou sobre ter um filho autista com seus amigos do trabalho por se sentir envergonhado.
Sua a irmã mais velha demonstra tristeza diante do fato de a atenção estar sempre em torno das necessidades do irmão, mesmo nos momentos grandiosos. Na vida social, a namorada de Sam sofre com seu excesso de sinceridade e a empatia do amigo do trabalho o ajuda a decifrar falas subjetivas ou gírias.
8) Grupo de autoajuda para familiares
A série também retrata a dinâmica do grupo de autoajuda para familiares que a mãe de Sam frequenta, apontando dificuldades comuns vividas pelos pais de filhos com espectro autista.
Para quem se interessa em aprofundar os conhecimentos sobre a visão do mundo a partir do olhar de alguém com espectro autista, estas são ótimas sugestões:
- Livro “Olhe nos meus olhos: minha vida com a síndrome de Asperger”: ficou em destaque nas indicações do “The New York Times”. É autobiográfico e traz a experiência de John Elder Robinson, com um ponto de vista de humor e muito rico.
- Livro “Nascido em um dia azul”: Daniel Tammet relembra sua infância, quando se sentia isolado e limitado pela incapacidade social que marca pessoas como ele, um portador da síndrome de Savant e da síndrome de Asperger.
- Documentário “Carly’s Voice”: o documentário retrata a impressionante história da adolescente Carly. Carly é portadora de autismo severo e um dia, inesperadamente, encontrou uma forma de se comunicar através da escrita digital. Pela primeira vez, após muitos anos de terapias e acompanhamentos profissionais, consegue se comunicar com seus pais e relata seus pensamentos e sensações em viver e estar no mundo.