Tragédia e dor na escola Raul Brasil
13 de março de 2019 não será apagado da memória de todos aqueles que acompanharam a tragédia do massacre na escola estadual Raul Brasil. Inicio este texto expressando minha solidariedade e sinceros sentimentos às vítimas e familiares que foram alvo do massacre da escola estadual Raul Brasil.
A data de 13 de março de 2019 ficará marcada em nossas memórias pelos gritos de socorro dos adolescentes da escola estadual Raul Brasil, localizada em Suzano. Todos os meios de comunicação possibilitaram a repercussão mundial da tragédia, permitindo aos expectadores acompanhar em tempo real os relatos assustadores dos jovens imersos em seu desespero e temor por suas vidas que encontraram meios de fuga presenciando em sua trajetória colegas de sala já sem vida pelos corredores da escola.
O trágico cenário
A manhã da quarta-feira começou ensolarada em Suzano, e os alunos inocentes desavisados iniciaram sua rotina escolar como se este fosse apenas mais um dia letivo. Foram necessários aproximadamente apenas 10 minutos para a execução da tragédia que marcaria permanentemente a história de tantas pessoas.
Guilherme Taucci Monteiro de apenas 17 anos aliado ao amigo Luíz Henrique de Castro, 25 anos, invadem sua antiga escola no início da manhã portando inúmeras armas de fogo, armas brancas como bestas – arco-flecha, machados e ainda coquetel molotov. Tanta munição demonstra que o crime foi premeditado e previamente elaborado por um período de tempo ainda desconhecido, mas possivelmente significativo. E, ainda, pela quantidade de munição que portavam, compreende-se que as expectativas de vítimas e destruição eram muito superiores pelos autores do crime.
Motivados a praticar um verdadeiro massacre, Guilherme e Luíz entram em sua antiga escola e marcam sua presença pela sequência de disparos e golpes desenfreados. Em poucos minutos o local virou palco de uma tragédia marcada pela quantidade de vítimas e danos irreparáveis. A dupla que explorava salas e corredores da escola com a intenção de fazer o maior número de vítimas, é encurralada por policiais levando ao impulso de Guilherme atirar em seu amigo e cúmplice e se suicidando logo em seguida.
Até o momento são 8 vítimas fatais entre jovens alunos, profissionais da escola e o tio de Guilherme que, até o momento, parece ter sido vítima da dupla por ter tentado impedir a tragédia.
Além destes, estima-se que até agora há 20 pessoas hospitalizadas com quadros leves, moderados e graves mas, infelizmente, os danos e estimativa da quantidade de vítimas são infinitamente superiores a esta contagem, não sendo possível mensurar a quantidade de pessoas que se tornaram vítimas e possivelmente manifestarão inúmeras sequelas emocionais ao considerarmos aqueles que foram expostos ao trauma no local da tragédia, familiares que fatalmente terão que lidar com a perda de entes queridos que tiveram suas vidas interrompidas pelo comportamento violento e doentio de dois jovens e, também, aqueles que indiretamente foram expostos ao crime por notícias, vídeos e fotos, tornando-se vulneráveis ao desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático, se tornando imensurável prever quantas pessoas poderão ter sido emocionalmente afetadas a este terrível crime.
Diante da imensidão de dor e luto das vítimas e seus familiares, tentarei abordar como é a personalidade de pessoas como Guilherme e Luiz Henrique, mostrando alguns sinais que possam servir de alerta a pais e educadores para a prevenção contra esse tipo de tragédia.
O que se esconde em personalidades perversas como as de Guilherme e Luíz Henrique?
Ainda que neste momento inicial o crime ainda esteja sendo apurado pelas autoridades e a história de ambos os jovens ainda esteja sendo investigada, na tentativa de compreender a motivação do crime, os dados fornecidos pela imprensa, somado à análise dos vídeos que exibem toda trajetória do massacre, nos permite elaborar uma hipótese diagnóstica tanto de Guilherme como de Luíz Henrique.
Guilherme: liderança perversa
Guilherme expressa em todos os seus gestos e atos a personalidade de um sociopata. Tudo indica que o crime foi planejado por ele, se tornando a personalidade de liderança, manipulação e maldade. Foi em sua residência que foram encontradas munições, um alvo para prática e treino do uso da besta – arco-flecha, mas o que fortalece esta hipótese é seu comportamento durante a realização do crime. Guilherme caminha pela escola demonstrando segurança, ausência de emoção, frieza, convicção e nenhum tipo de gesto que esboce arrependimento ou recuo. Nos disparos percebemos suas mãos firmes, passos tranquilos e ausência de qualquer tipo de expressão em seu rosto. As características típicas de um sociopata como as que mencionamos indicam Guilherme como líder e articulador do crime.
Luíz Henrique: uma personalidade fragmentada alvo de manipulação
Ficou evidente a perplexidade dos vizinhos de Luíz Henrique que ao serem entrevistados por descobrirem ser ele um dos autores do crime brutal. Palavras de um de seus amigos de infância o retrata como alguém tranquilo, que gostava de jogos, esportes, que nunca havia esboçado traços de violência ou manifestado comportamento agressivo e ainda que não possuía envolvimento com álcool ou drogas.
Por razões ainda desconhecidas, a hipótese é de que Luíz Henrique foi vítima de um discurso perverso e articulado de um sociopata, como supomos ser a personalidade de Guilherme, servindo de cúmplice e dando suporte na estruturação e realização do crime.
Contrastando a segurança que Guilherme exibe ao entrar na escola iniciando os disparos, Luíz, embora violento, demonstra um comportamento confuso e pouco articulado, sugerindo ter recebido orientações e confundindo-se ao se deparar com a adrenalina do momento de ação.
Luíz entra em cena em um tempo considerável depois de Guilherme, sugerindo perturbação, dúvidas sobre a escolha do local que colocaria a mala com explosivos, agride brutalmente vítimas que já encontram-se mortas ou quase mortas no chão por terem sido baleadas e, ao se surpreender com o grupo de alunos que corre em direção oposta a dele na busca pela saída da escola, demonstra confusão, insegurança, praticando golpes pouco precisos seguidos de lentidão na tomada de decisão de sair do saguão em direção de seu líder, Guilherme.
Que expectativas habitam a mente perversa de um sociopata como Guilherme?
Algumas expectativas e desejos costumam residir na mente doentia de jovens sociopatas que articulam e planejam crimes em massa como este.
Além do prazer e desejo em causar sofrimento, também conhecido como um prazer sádico, jovens adolescentes com traços de uma personalidade antissocial costumam possuir alguns aspectos em comum:
- fanatismo e reprodução de comportamentos de seus ídolos, podendo estes serem criminosos famosos (este crime talvez tenha tido o massacre de Columbine como sua inspiração, por semelhanças em sua construção);
- prazer e satisfação na prática da dor;
- alcance de um patamar idealizado, se associando a imagem de Deus ou de extremo poder, o que o possibilita determinar o destino entre a vida e a morte dos demais;
- necessidade e desejo sádico de glamour por tornar-se memorável por seus atos, tanto na repercussão da notícia quanto na imortalidade da memória daqueles que permanecem vivos ou com sequelas fruto de seus atos;
- fantasias de memórias eternizadas ou da cativação de seguidores e admiradores;
- desejo de vingança e reparação.
Incorporação dos ídolos
Característico de uma personalidade em formação, adolescentes tendem a incorporar vestimentas, gestos, comportamentos, hobbies e falas de pessoas que idolatram ou o inspiram. Neste caso, Guilherme chama a atenção pela vestimenta que escolhe para prática do crime remetendo a personagens vistos em jogos de vídeo game marcados por violência e mortes, enquanto Luíz por todo comportamento inseguro que exibe no vídeo parece ter sido alvo de Guilherme na manipulação que o confunde e dissocia entre fantasia e realidade chamando atenção tanto em sua vestimenta, armas escolhidas e até mesmo em seus golpes com o personagem Daryl da série The Walking Dead.
Na série os personagens vivem um apocalipse zumbi e por sobrevivência necessitam combater os zumbis que só morrem de fato quando golpeados no crânio. Daryl na série chama a atenção pelo uso da mesma arma escolhida por Luíz Henrique (besta – arco-flecha e machados) e o mesmo corresponde esta associação a partir do gesto de golpear o crânio com um machado pessoas que já estão à beira da morte, levando a ideia dos mortos-vivos ou de deixarem de oferecer ameaças apenas quando golpeados no crânio.
O tabu por trás desta tragédia
Infelizmente, nesta ou em futuras ocorrências seria inimaginável prever um massacre como este, mas é possível constantemente prevenir que crimes assim voltem a ocorrer no futuro. Este alerta trata com seriedade e conscientização o fato de que a saúde mental continua sendo um tabu e é pouco cuidada quando necessário e, ainda, na maioria das vezes de difícil acesso aos usuários na saúde pública.
O fato é que todos aqueles que zelam por suas vidas ou de seus filhos podem contribuir com a prevenção ao acabar com o estigma que envolve o tabu da busca por profissionais de saúde mental e da aceitação da possibilidade de doença que necessita acompanhamento profissional, distanciando fantasias e expectativas que pais costumam carregar sobre seus filhos, desconsiderando possíveis e graves riscos.
Uma tragédia como esta não tem endereço determinado. Podem acontecer em escolas públicas, escolas particulares, faculdades, bairros menos favorecidos ou extremamente nobres. Personalidades como as de Guilherme e de Luíz Henrique integram nossa sociedade e não obedecem a nenhum tipo de status social.
A prevenção ocorre quando pais, orientadores, profissionais de saúde ou familiares próximos se distanciam da ideia otimismo ou pessimismo e consideram os riscos reais do que pode ou não acontecer a qualquer um quando comportamentos fora do comum chamam a atenção. Todo ser humano é produto de uma infinidade de combinações que envolvem em sua complexidade sua percepção única e subjetiva, estrutura familiar, fatores genéticos e hereditários, exposição a traumas, fatores sociais, vínculos, perspectivas de futuro e muitos outros fatores impossíveis de enumerar, reforçando a utopia que o entorno familiar acredita possuir na formação de um ser humano. Tantas combinações e subjetividade tornam possível que todo e qualquer ser humano possa em algum momento desenvolver um quadro de saúde mental que demande acompanhamento, possua comportamentos impulsivos e destrutivos ou outros comportamentos nocivos.
O papel preventivo se inicia ao perceber os sinais que inevitavelmente são expressos previamente, muitas vezes até mesmo como pedidos silenciosos de socorro.
Com base neste caso e outros aspectos comuns, as características que podemos destacar como sinais de alerta são:
- isolamento social;
- ausência de perspectiva do futuro;
- impulsividade;
- violência e agressividade;
- insubordinação;
- pequenos delitos ou práticas criminosas;
- fanatismo ou idolatria por assassinos, cantores ou atores que fazem apologia a violência, personagens de filmes ou jogos que manifestam comportamento violento;
- distanciamento e frieza emocional;
- personalidade introspectiva;
- automutilação;
- Consumo de álcool e/ou drogas;
- prática de maus tratos a animais;
Estes são alguns sinais que podem chamar a atenção daqueles que envolvem o entorno familiar e social de um adolescente ou jovem adulto, e desta forma, podem ter a oportunidade de buscar intervenções que impeçam esta tragédia ou outras, contra terceiros ou contra si próprio.
Em respeito as vítimas, a reflexão mais importante à sociedade é que não podemos falar de bullying, saúde mental, perfil e apoio psicológico apenas diante de acontecimentos como este, que nos trazem tantas perdas irreparáveis. A necessidade de discussão, conscientização e adoção de medidas preventivas se tornam emergenciais hoje e continuamente daqui para frente.